Iniciativas alinhadas aos ODS da ONU promovem integração entre ensino básico, graduação e pós-graduação, com foco em inovação, sustentabilidade e igualdade de gênero
Durante muito tempo, o universo da ciência foi representado majoritariamente por homens. Dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) apontam que apenas cerca de 30% dos pesquisadores no mundo são mulheres. No Brasil, embora o número de mulheres com títulos de doutorado tenha crescido nos últimos anos, elas ainda são minoria nas áreas chamadas STEM, sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, que continuam fortemente marcadas pela desigualdade de gênero.
Diante desse cenário, o projeto nacional Meninas na Ciência surge com o objetivo de incentivar, formar e empoderar meninas para que se vejam como protagonistas no campo científico. A iniciativa conta com o apoio de órgãos como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC/SE), e articula instituições de ensino superior, pesquisadores e escolas públicas para oferecer oportunidades concretas de formação e engajamento científico para meninas, desde o ensino fundamental até a pós-graduação.
A Universidade Tiradentes (Unit), através de suas pesquisadoras, é uma das instituições que abraçaram o programa como parte ativa e comprometida com a transformação. Desde 2018, a Unit vem promovendo ações de incentivo à participação feminina na ciência em parceria com o Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP) e a Universidade Federal de Sergipe (UFS), atuando com diferentes projetos que mobilizam escolas, professores e estudantes em todo o estado de Sergipe
Para a professora pesquisadora Cleide Mara Soares, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Processos (PEP), que lidera uma das frentes do projeto dentro da Unit, essa participação tem um impacto que vai muito além da sala de aula. “Nosso foco é criar ambientes seguros e equitativos onde as meninas possam se reconhecer como cientistas em potencial. Queremos aproximar a educação básica do ensino superior e interiorizar o acesso à ciência”, afirma.
Sob sua coordenação, projetos como Energia e Meio Ambiente e Licuri Sustentável foram desenvolvidos em escolas públicas de municípios sergipanos como Moita Bonita, Ribeirópolis e São Miguel do Aleixo, envolvendo cerca de 56 meninas. As iniciativas incluem desde experimentos laboratoriais com resíduos naturais até a criação de cosméticos ecológicos. A partir desses projetos, surgiram subprojetos que se destacaram nacionalmente, como o desenvolvimento de esponjas adsorventes feitas com resíduos de Moringa oleifera, voltadas à purificação da água, e a formulação de cosméticos sustentáveis, ambos premiados por seu caráter inovador e sustentável.
“O projeto, que teve início com o premiado subprojeto ‘Energia e Meio Ambiente’, hoje atua em escolas do semiárido sergipano por meio da iniciativa ‘Licuri Sustentável’ com o apoio dos Programas de Pós-graduação da Unit, que têm conceito 6 da Capes, o projeto integra ensino básico e pós-graduação, fortalece a trajetória científica de jovens e promove práticas experimentais nas escolas, beneficiando também professores com bolsas e estrutura laboratorial, em ações alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU”, explica.
Outra contribuição vem da professora Cláudia Melo, do Programa de Pós-graduação em Biociências e Saúde (PBS), que coordena o projeto “Meninas na Ciência- Sim, Sinhô!” com uma equipe formada por seis pesquisadoras com mais de duas décadas de experiência em formação científica. “O projeto visa desenvolver competências científicas em áreas como tecnologia, meio ambiente e saúde, estimulando a participação ativa de meninas em atividades científicas e na construção de soluções integradas para problemas contemporâneos”, explica a professora Cláudia.
As ações vão muito além da sala de aula. As participantes vivenciam oficinas práticas, mentorias com pesquisadoras e discentes de pós-graduação, experimentos em laboratórios da Unit, além de trilhas ecológicas e criação de conteúdos digitais. “Entre os temas abordados nas oficinas estão desde química básica até a produção de geis medicinais com plantas do semiárido e desenvolvimento de sistemas de filtração de água para situações de emergência. Algumas dessas práticas são levadas para as escolas, para que as meninas possam aplicar o conhecimento de forma acessível e concreta”, destaca.
A Trilha do Pau-Brasil, criada no Refúgio de Vida Silvestre Mata do Junco, em Capela (SE), é outro exemplo da proposta educativa do projeto. As meninas participaram da sinalização, mapeamento e planejamento da trilha como ferramenta de educação ambiental. “A ideia é que se torne um espaço permanente de conscientização e bem-estar, unindo ciência, saúde e sustentabilidade”, completa Cláudia.
Cláudia destaca que o apoio institucional de agências como CAPES e FAPITEC tem sido fundamental para viabilizar bolsas de iniciação científica e atividades formativas. “Não se trata apenas de levar conhecimento, mas de construir uma consciência crítica, ambiental e cidadã. As meninas participam de podcasts, redes sociais e oficinas, se aproximando da ciência de forma acessível e interativa”, pontua a professora.
Já a professora e pesquisadora Patrícia Severino, do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Industrial (PBI), coordena o projeto Mulheres na Nanociência, que integra a rede nacional do Meninas na Ciência com abrangência em 12 estados e mais de 10 mil estudantes. Com foco em nanotecnologia, inovação e empreendedorismo, o projeto oferece atividades mensais na Unit, no ITP e no Colégio Petrônio Portela, onde alunas vivenciam práticas com nanoformulações, tecnologia no FabLab e oficinas temáticas.
“O maior desafio é manter o engajamento das alunas após a participação inicial. Por isso, buscamos acompanhá-las de perto, inclusive apoiando na transição para o ensino superior e oferecendo orientação para iniciação científica”, explica Patrícia. Segundo ela, a mudança de percepção das meninas sobre seu potencial e o aumento da motivação para seguir na ciência são algumas das maiores conquistas já observadas.
A estrutura dos projetos também reflete o compromisso da universidade com a transversalidade e a integração entre ensino, pesquisa e extensão. Professores, alunos de graduação, mestrandos e técnicos atuam como mentores, criando redes de apoio e aprendizado. A seleção das estudantes ocorre com o apoio das escolas, levando em consideração interesse, desempenho e perfil socioeconômico.
Além de contemplar objetivos estratégicos institucionais, os projetos da Unit alinhados ao Meninas na Ciência dialogam com metas globais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Em especial, o ODS 4 (Educação de qualidade), ODS 5 (Igualdade de gênero) e ODS 9 (Inovação e infraestrutura), reforçando o papel da educação científica como motor de transformação social.
O desejo das coordenadoras é que a atuação da Unit com o projeto Meninas na Ciência seja institucionalizada como um programa permanente, com expansão para novas escolas e temas emergentes, como inteligência artificial e ciências ambientais. Mais do que formar futuras cientistas, a proposta é cultivar o senso de pertencimento e empoderamento de meninas que, historicamente, foram deixadas à margem da ciência. E como afirmam as professoras envolvidas, quando uma menina acredita que pode ser cientista, todo o futuro se transforma.
Fonte: ASSCOM, Unit